segunda-feira, 7 de maio de 2012

Capítulo 1- Era uma vez....

Uma menina que nasceu em uma vila fria, muito distante daqui. Naquela vila fria, particularmente naquele inverno branco, a sua família fora acolhida por todo o povo do vilarejo em uma grande semana de celebrações e visitas à menininha. Seus olhos arredondados, hora verdes, hora castanhos, conquistavam cada morador como a magia do inverno, que envolve a alma daqueles que se aquecem com chocolate quente. A menina atraía visitas todos os dias e, como a sua mãe era muito popular no vilarejo, logo elas começaram a receber alguns presentes: folhas que só cresciam em vilas vizinhas, perfumes, livros e cartas. A vila sempre fora muito carinhosa com a mãe da menina, que fazia chás de todas as folhas, em todas as estações, para todas as doenças. Crianças, senhores e até animais encontravam abrigo e colorido na casa da menina. Colorido rosa, amarelo e azul. Colorido dos olhos da menina, colorido do sorriso da menina e das mãos da menina. Um desses animais, um cachorro caramelo com mais pulgas do que pelos, foi ficando e se camuflando à mobília de madeira antiga. E a menina crescia ajudando a mãe em casa, colhendo as folhas no campo e tratando os necessitados. Ela sabia sentir no olhar o que eles tinham e o que poderia fazer para ajudá-los. Certa noite, alguns invernos depois, um senhor muito cansado bateu nas pesadas portas do chalé e esperou que atendessem a porta. A fumaça da lareira marcava o ar e invadia a noite com a intimidade de uma velha conhecida. O cheiro de comida no forno enchia cada espaço do estômago daquele senhor, que caiu de joelhos na neve logo quando a porta se abria. A menina chamou a mãe e as duas, em um esforço conjunto, carregaram o homem para dentro. A menina sentou-o no velho sofá vermelho, atirou a mochila que ele carregava no chão, apanhando finas linhas coloridas que saiam dela e enfiando-as novamente na bolsa. Depois, tirou as botas do velho e as suas meias moídas, para então colocar-lhe os pés machucados em uma almofada perto do fogo. E o senhor, por menos de um segundo, olhou direto para os olhos da menina e soube, ali, que ela era exatamente como ele. A mãe da menina voltou com um prato de sopa quente! Até o cachorro da menina resolveu ajudar, encontrando lugar na manchada almofada onde o velho descansava os pés, deitando-se e bem-desempenhando seu papel de aquecedor de dedões. Elas esperavam ele comer, enquanto organizavam as folhas para um chá. A mãe nunca o havia visto pela vila, mas acreditou nos sentimentos da menina e continuou a organizar seu armário de suprimentos. A menina fechou o último frasco que faltava, apanhou um dos livros que ganhara há anos e sentou-se perto do fogo, lendo-o com sua voz de colorido azul claro. Aos poucos, o velho passou a alternar colheradas com olhares em direção ao livro e as cores que vinham de lá. Eram as mãos da menina passeando pelas páginas e pelas linhas do livro, mãos de colorido violeta. E ela sorria. Um sorriso bobo que só alguém que encontra um fiel papel perceberia, ela sorria cor de azul prateado e iluminava os quatro cantos da sala. A mãe até sabia que trecho do livro ela deveria estar lendo agora. Aquela parte, a parte que dava todos os coloridos a vida da menina. A parte que trançava os coloridos que toda vida deveria ter. E o velho adormeceu. Um sono tranquilo, quase verde. A menina colocou um cobertor por cima daquela falta de barriga e deitou-se ao lado do cachorro, na almofada. Ela dormiria com seu amigo, antes de deixá-lo sozinho com um desconhecido. E a noite passou sorrateira, com o barulho de pequenos flocos de neve batendo contra a janela, como toda noite de inverno de qualquer lugar do mundo. A menina abriu os olhos e ele já não estava lá. O velho havia partido enquanto ela dormia. Ela ainda abriu a porta, mas ele não estava em nenhum lugar que a sua vista pudesse alcançar. Voltou-se para a sala e fechou a porta atrás de si. Olhos coloridos cinzentos no chão, no sofá, na almofada, no fogo, de volta à almofada e só depois o viu. Na poltrona, pertinho da mesa, um pacote com uma fita amarela. E naquele pacote com cheiro de surpresa, lia-se "Para a menina. Muito obrigado. Lembre-se: crescerá com você.". Ela chamou a mãe e juntas abriram o presente. Cabia perfeitamente, cada centímetro detalhadamente trabalhado com finas linhas bordadas, parecia que havia sido moldado em seu corpo. Ela girava e a saia marcava o ar com seu colorido especial e a cada sorriso, mais brilhavam as finas linhas coloridas. As mangas alcançavam seu pulso, e a saia era bordada e bem-rodada até a altura dos joelhos, na cintura havia uma fita que terminava em um bonito laço nas costas. E naquele dia, vestida como princesa, ela saiu com o cachorro nos calcanhares para apanhar mais folhas. Atravessou a vila, buscou todas as folhas que precisava no campo e, quando estava bem próxima do chalé, sentiu que alguém estava por ali. Deu a volta e encontrou uma garota, que deveria ter a sua idade, sentada em uma pedra, atirando pequenos pedaços de madeira ao vento. Aproximou-se e sentiu o cinza invadir-lhe todo o estômago, as veias, o coração e respirou fundo. Esticou uma das folhas para a garota e a sentiu perder mais cores pelo que pareceram horas, e nada fazia o cinza ir embora. Fazia frio, ventava e nada mudava de colorido, as mesmas sombras de cinza marcavam o rosto da garota. A garota cinza cuspiu a folha, levantou-se e foi embora, deixando a menina sozinha. Sentada. O cachorro aproximou-se da menina e deu-lhe um cheiro na bochecha, que ficou colorida-rosa. As cores todas voltavam enquanto ela caminhava de volta para o chalé. No outro dia, foi quase tudo igual. A garota cinza estava lá, sentada, dessa vez com uma outra garota tão cinza quanto ela, mas diferente. Outros traços, mais leves; outro rosto colorido de cinza com rajadas de marrom. Muito parecidas, mas nunca iguais. Apenas cinzas. Nossa menina se aproximou novamente e ofereceu folha verde-de-cheiro-doce, mas quando abriu a mão, o vento levantou e se moveu de leve e a folha foi parar no ar. A nossa menina girou para segurá-la e sentiu o sol no seu rosto e o vento nos cabelos e um calor no coração e, sem perceber, sorriu seu sorriso rosa-claro. Sorriu sozinha, com ela e com o tempo. O vestido ficou iluminado e o rosto, colorido de vida, radiava. Alcançou a folha e voltou a esticar a mão colorida de violeta. As garotas cinzas riram e correram de lá. A menina deitou-se na pedra e deixou cada gota de luz do sol tocar a sua pele, sorrindo grande, sorrindo sozinha. Não demorou muito para que as garotas cinzas voltassem, com outras garotas cinzas. Uma delas cinza bem escuro, que já havia ido ao chalé para receber cuidados para uma doença de coração. A outra, baixa, bem mais baixa que a menina, apontava as mãos fechadas coloridas de escuro em direção ao vestido que brilhava. E elas riam cores apagadas, enquanto a menina voltava para o chalé, sentindo aquela sensação de cinza invadir-lhe o corpo. Entrou apressada, atravessou a sala, abriu o armário de folhas e procurou por uma que apagasse as cores. Qualquer uma que a fizesse menos rosa, menos violeta, menos vida. Mastigou a mais amarga que encontrou. Mas sabia que as suas cores continuavam ali. Mastigou uma folha apagada, outra escura, uma azeda e a de cheiro esquisito. Mas as cores cinzas dessas folhas, apenas tocavam seu coração e refletiam tons de rosa, violeta, verde. Trocou o vestido, mas as cores, que estavam mais ao fundo, continuavam pulsando vivas. No terceiro dia, escolheu outro caminho, foi colher folhas e não sorriu. Não fez nenhuma questão de sentir a luz do sol, mas ainda assim sentia o latejar de cada colorido dentro de si. Não podia fugir da sua pele, não podia esconder-se na sombra. Mas escolheu ser sozinha. Pelos cantos. Contida. Sempre. Por anos. Então, uma manhã, quando caminhava de volta para o chalé, sentiu um olhar caloroso, que a via pálida como o inverno. E, deixando-se envolver pelo forte calor que a brisa irradiava, sucumbiu. Era um olhar preocupado, que a assistiu cair de joelhos no chão. E que correu. Sentindo as cores da surpresa e percebendo o pequeno sorriso, seus olhos encontraram os dele. Os mesmos olhos velhos e seguros de um dia, ergueram-na e sorriram de volta. E nossa menina foi levada pelo velho ao chalé, com o cachorro aos encalços, e colocada no sofá. A menina sentia-se como se o emaranhado de cores cinzas estivesse apenas em sua cabeça, pensamentos monocromáticos despretensiosos. Seu coração sempre seguiu pulsando: em vermelho vibrante-silencioso. Ela sabia. Pulsante de cores que a puxavam, que a prendiam, a seguravam... Quando o velho tirou o casaco e sentou na poltrona à frente, ela viu que os fios finos e bordados da camisa que vestia se entrelaçavam e, por um momento, a menina reconheceu as finas linhas e sorriu. E o colorido invadiu a sala e o velho sorriu também, e as cores batiam na janela e se misturavam em coloridos violetas e azuis. Os dois se olhavam e se entendiam como só o silêncio saberia explicar. Então, a mãe entrou trazendo um chá e o vestido. Finalmente, nossa menina abandonou suas vestes apagadas e tornou a vesti-lo. E a olhar para o velho amigo, imitando-o. Sorriam pequeno, cores menores em um contido colorido de azul-claro. Sorriam rápido, cores vermelhas bagunçadas. Sorriam alto e sorriam magro. E sorriam de coração, em um animado colorido rosa que aquecia, o mesmo calor de estender a mão, que só se via igual no sol e no colorido da vida. E por ela, ela sorria! E entendia. Estava em casa. Cada uma das cores pulsando viva sob a sua pele, refletidas como ela. Sorriam. Ela com Ele. Ele conosco, e todas as cores para sempre em nós!